O Parlamento funciona assim porque não se sabe onde termina o Parlamento e começa o Governo ou vice-versa. O Parlamento está desvirtuado nos seus princípios e valores, enquanto instituição fiscalizadora dos actos do governo. A maioria parlamentar entretém-se a justificar o injustificável, a intervir apenas para falar da República e a realizar umas visitas para "confirmar" as políticas do governo regional. Não tenho presente uma única iniciativa legislativa própria. Portanto, o Parlamento nega-se a si próprio.
O Dr. António Fontes, Deputado pelo PND, tece, na edição de hoje do DN uma série de considerações sobre o Parlamento Regional. Um déjà vu, tantas vezes comentado. Ainda esta semana fiz uma série de considerações a esse respeito. Ele apenas disse por palavras mais duras aquilo que muitos comentam de forma mais soft. Seja como for o que se passa é grave e é consequência de dois aspectos essenciais: primeiro, o resultado de 36 anos de maiorias absolutas que tornou o Parlamento um espaço ditatorial, de uns e de outros, um espaço não de pares eleitos que através de posicionamentos políticos distintos, democraticamente, constroem o óptimo social, mas um espaço que legitima uma política com laivos terroristas do ponto de vista social.
Há quem por aí diga que a Oposição é fraca. Nem por isso, digo eu. É resistente e propositiva, apesar dos sistemáticos cortes regimentais no sentido do condicionamento da palavra. A quase totalidade das propostas legislativas partem da Oposição, sabendo a Oposição que elas têm um destino: o arquivo, para não dizer o lixo! Falo pelo meu grupo parlamentar que apresentou, ao longo destes quatro anos, dezenas e dezenas de projectos e nem um foi motivo de debate negociador. Em todos os sectores e áreas da governação, sobretudo, nos planos da Economia, das Finanças, da Educação, da Saúde e dos Assuntos Sociais. Tudo menosprezado, como se, de um lado, estivessem os iluminados, do outro, os incapazes. No caso pessoal, apresentei quatro extensos e importantíssimos documentos que muito trabalho me deram: o Regime Jurídico do Sistema Educativo Regional, (documento estruturador enquanto espécie de lei de bases do sistema educativo regional), o Estatuto da Carreira Docente (duas versões), As Bases do Sistema Desportivo Regional e Regime Jurídico de Comparticipações Financeiras ao Associativismo Desportivo (duas versões) e o Projecto sobre A Escola a Tempo Inteiro. Tudo para o lixo. Trabalhos elaborados ao longo de meses, com muitas reuniões de permeio, muitos pareceres solicitados e, no fim, em meia-dúzia de minutos, CHUMBO em cima, sem qualquer argumentação palusível. E o que dizer das propostas do Deputado Carlos Pereira, na campo da Economia e das Finanças, no fundo, de onde tudo depende! Porque podemos falar muito de educação, de agricultura e pescas, de saúde e de assuntos sociais, em geral, mas se não se souber estruturar o plano da Economia, se não se souber de onde vem a produção de riqueza, obviamente, que nada feito. Mas, nem aí houve e há um espaço de compreensão e de debate.
Em segundo lugar, o Parlamento funciona assim porque não se sabe onde termina o Parlamento e começa o Governo ou vice-versa. O Parlamento está desvirtuado nos seus princípios e valores, enquanto instituição fiscalizadora dos actos do governo. A maioria parlamentar entretém-se a justificar o injustificável, a intervir apenas para falar da República e a realizar umas visitas para "confirmar" as políticas do governo regional. Não tenho presente uma única iniciativa legislativa própria. Portanto, o Parlamento nega-se a si próprio pela força irracional da maioria. Falta-lhe mentalidade democrática e respeito pelos outros. Naqueles corredores respira-se o ar pesado de uma instituição onde prevalece a força de uma maioria castradora e impostora. São sensíveis os constrangimentos até junto dos próprios funcionários.
Compete ao Povo resolver esta situação e compete ao Presidente da República não continuar a olhar para o lado, fazendo de conta que não sabe o que se passa. Em Outubro os madeirenses têm mais uma oportunidade para mudar tudo isto. Agora, se mudar, tenho eu a certeza que será muito difícil para a actual maioria.
Ilustração: Google Imagens.
2 comentários:
Só li as primeiras linhas do seu artigo sobre as declarações do Dr. António Fontes e chegam-me perfeitamente para fazer já um comentário. Vi a entrevista dele na integra e ouvi bem o que ele disse. O Prof. André Escórcio diz que é um "dejá vú". Acredito que sim, mas o que é facto é que eu nunca ouvi a oposição ou até talvez tenha ouvido muito "lá longe". O que acontece talvez tenha a ver com uma questão de tom, de estilo directo, de objectividade, chamando os "bois pelos nomes" sem preocupações de "politicamente correcto" e também talvez por a gente já saber que ele não faz muita cerimónia para dizer o que tem a dizer naquele estilo calmo e frio como se se tratasse da coisa mais banal do mundo e que não necessita de espécie nenhuma de coragem para ser dita. Outra coisa que acontece, pelo menos comigo, é que quando há uma entrevista dele, eu faço tudo para não a perder porque já sei que vai fazer faísca e isso talvez faça a diferença. Se por qualquer motivo não tiver visto a entrevista e dela tenha conhecimento posterior, vou logo ao site da RTP-Madeira para ver em repetição ou até mesmo no site do DN como foi o caso de hoje. Há também um aspecto que joga a favor dele que é o facto de ser por enquanto novidade na Assembleia e isso naturalmente provoca alguma curiosidade e motivação para o ouvir, ao passo que os outros, por diversas razões e também pelo facto de a grande maioria serem sempre os mesmos há anos, a gente já não os ouve e até muda de canal porque normalmente já não há pachorra. Como que uma música que já se ouviu vezes sem conta !...
Obrigado pelo seu comentário.
Ora bem, como é evidente, não critiquei, negativamente, o Dr. António Fontes. Não é isso que o meu Caro leitor diz. Eu percebi. Quando assumi que constituem palavras já ditas, constitui um facto. São anos de luta e de denúncias que parece ninguém querer ouvir. Aliás, considero a presença do Dr. António Fontes importante, porque é mais um, talvez de forma mais dura e frontal, a dizer que o rei vai nu.
Obrigado.
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