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domingo, 11 de maio de 2008

EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO DESPORTO V (Cont.)

Portanto, a questão da violência (e o desporto está cheio dela e a todos os níveis) apresenta-se-nos, assim, muito mais complexa do que, aparentemente, sugere. Para além do assustador crescimento de todo o género de dependências, do sensível leque de constrangimentos sociais que por aí proliferam e dos preocupantes níveis de criminalidade, temos de olhar para as consequências deste complexo barco do hiper-consumo onde, intencionalmente, nos obrigam a entrar e a navegar. Como corolário: democratizaram a escola mas ao serviço de um mercado de educação. Na feliz expressão dos sociólogos Sandrine Garcia e Franck Poupeau estamos perante uma dicotomia entre a “violência na escola e a violência da escola”. Daqui resulta que, quando falo de “cliente” subordino a palavra ao significado de “pessoa protegida” e não no sentido de uma relação que se compagine com interesses económicos e outros que nada têm a ver com os fins primeiros da gestão e administração do processo educativo.
Mas podemos ir mais longe. De acordo com Joseph Juran, consultor de organizações e autor de mais de uma vintena de livros, a qualidade pode ser definida segundo dois eixos: segundo uma óptica de resultados e segundo uma óptica de custos. Segundo a óptica dos resultados, a qualidade consiste nas características do produto ou dos produtos que satisfazem as necessidades do cliente e geram lucros. Dir-se-á que, na escola, os produtos educativos são múltiplos. Na área disciplinar do Desporto pode dispor de uma significativa variedade de modalidades desportivas. E o problema é este: ou adaptam-se e satisfazem as necessidades dos clientes (leia-se alunos) e geram lucros (leia-se maior mobilização da comunidade educativa numa prática desportiva para a vida) ou, então, perante a actual configuração, a taxa de participação desportiva manter-se-á aos níveis insignificantes e dramáticos que conhecemos
[1].
Mas a qualidade pode também ser vista pela óptica dos custos. Neste âmbito significa ausência de defeitos. Logo, se para uma empresa alta qualidade significa menos encargos financeiros, na lógica da Escola, alta qualidade poderá significar uma função docente de excelência, ela própria ganhadora em termos de projecto para a vida. A este respeito Philip Crosby foi o autor que desenvolveu o conceito de “zero defeitos”. Produziu o livro, “Quality is free”, traduzido em quinze línguas com uma venda de dois milhões e meio de cópias. Crosby diz-nos que zero defeitos deverá ser um standart de desempenho da gestão e não apenas um slogan. E assume que os responsáveis pela falta de qualidade são os gestores (no contexto em que escrevo, os políticos e os professores com responsabilidades de gestão) pois, de acordo com o seu posicionamento, a qualidade deve vir de cima para baixo. E diz mais: que as técnicas não preventivas tais como a inspecção, o teste e o controlo são muito pouco eficazes. Antes prefere prescrever uma vacina preventiva que contenha três ingredientes: determinação, formação e liderança. Como corolário, julgo ser esta a vacina que falta à Educação Física Escolar. Falta-lhe determinação no sentido de novos reenquadramentos em função das lógicas em que o mundo está dissolvido, o que exige um novo olhar para a dicotomia aluno-“cliente”; falta formação no que concerne a um debate mais profundo que a todos desperte e envolva num projecto que rompa com o passado; falta liderança, porque um projecto de mudança implica capacidade para orientar de um forma consistente. A todos os níveis, obviamente.
De resto, a qualidade não significa luxo ou notoriedade. Não significa algo intangível e não mensurável. Pelo contrário, a qualidade é um processo e não um programa. Um processo de construção contínua, de aprendizagem no terreno mas também de destruição de barreiras que impedem a própria mudança. De um aspecto podemos estar certos: é que se o século XX foi o da produtividade, o século XXI será o da qualidade, afirmam a generalidade dos autores. E será o século da qualidade porque os níveis de exigência serão cada vez maiores. Ora, o Sistema Educativo não constituindo, repito, uma ilha dentro da sociedade, pois sofre e beneficia das influências positivas ou negativas dos outros sistemas, pode-se então deduzir que a Escola e a Educação Física que lá se pratica terá, assim, que corresponder a esse desígnio de qualidade perante um cliente (aluno) cada vez melhor informado e exigente.
É curioso como Tom Peters
[2], considerado guru da gestão, sintetiza os caminhos para a excelência. Numa aproximação ao contexto que desenvolvo, tal significaria seguir cinco pontos fundamentais:

A obsessão. Isto é, os produtos que a Escola tem para oferecer, no âmbito do seu projecto educativo, têm de ser vistos com beleza e com o orgulho de os possuirmos. Genericamente, não são.

A Estrutura. As organizações escolares com futuro devem ser planas, abertas, maleáveis, permitindo que o aluno entre, participe nela e desenvolva a sua capacidade crítica.

Os sistemas. A existência de programas de incentivo e de prémios de excelência através da hierarquia superior onde se inclui a questão da formação dos recursos humanos.

Visão do Mundo. A correcta percepção sobre as grandes transformações que estão a acontecer por via do desenvolvimento tecnológico.

Coragem. Isto é, disponibilidade intelectual para tudo rever.


[1] O último estudo da autoria da Drª Salomé Marivoet (FMH/UTL), publicado em Janeiro de 2000, sobre o comportamento da população face ao desporto (1988/1998), no intervalo 15/74 anos, apenas 23% da população afirmou ter uma prática desportiva com alguma regularidade. Valor que coloca os portugueses na cauda da Europa quanto à taxa de participação desportiva. Embora, certamente, com um outro protocolo, em 1997, um estudo publicado na edição de 25 de Janeiro do semanário Expresso, indicava que vinte em cada cem portugueses eram fumadores, trinta bebiam vinho e apenas seis praticavam desporto.
[2] Revista Executiv Digest. Dezembro/1996. Pág. 102.

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