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sábado, 18 de outubro de 2008

A INDECOROSA PORTARIA DA ACÇÃO SOCIAL EDUCATIVA

As famílias reclamam, os partidos da oposição insistem e o governo perante o que se está a passar mantém-se cego, surdo e mudo. Esta Portaria da Acção Social Educativa (ASE) na Região Autónoma da Madeira, tal como a anterior, é verdadeiramente indecorosa. Quando está aos olhos de todos as gravíssimas dificuldades de uma grande parte das famílias madeirenses, a ASE deveria constituir um meio de esbatimento dessas dificuldades. Mas não, o que acontece é que a teimosia e a falta de sensibilidade social se sobrepõem ao dever de um governo mostrar-se atento e solidário. Tome-se, por exemplo, em consideração, o facto de um estudante com idade igual ou superior a 12 anos, ter de pagar € 34,00 pelo passe social. Imagine-se o sacrifício para quem tem dois ou três filhos e recebe o ordenado mínimo!
Ainda anteontem esteve em debate uma proposta do PCP que visava a atribuição gratuita dos manuais escolares. Discordo de alguns aspectos nele contidos mas não deixo de dizer que se a ASE tivesse um outro enquadramento, esta proposta teria, certamente, outros contornos. Na oportunidade, proferi a seguinte intervenção:
"Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
Desde logo que fique claro que entendemos o espírito que consubstancia esta proposta, assente no Artigo 74º da Constituição da República que sublinha competir ao Estado “assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito”. Perguntar-se-á, afinal, neste contexto, qual o significado da palavra gratuito. Esse significado está, em nossa opinião, clarificado em lei, de uma forma que nos parece minimamente aceitável (DL 35/90 de 25 de Janeiro): “na isenção total de propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, a frequência escolar e a certificação de aproveitamento, o seguro escolar e a faculdade de dispor de apoios complementares que favoreçam a igualdade de oportunidades (…)”. Aspectos, convenhamos, nem sempre escrupulosamente cumpridos na Região. Mas o problema é outro.
A questão essencial que aqui se coloca é a da igualdade de oportunidades. Essa igualdade é que deve centrar o olhar político, já que depende, obviamente, por mais voltas que se dê, da Acção Social Escolar. O problema é que, para o governo, a acção social escolar constitui um benefício, uma dádiva, qualquer coisa caritativa e nós entendemos que não. No Estatuto do aluno, ao lado dos deveres do aluno, devem estar consignados os direitos dos alunos. E um dos seus direitos é que todos estejam em igualdade de circunstâncias. Portanto, neste pressuposto, a lógica caritativa cai para dar lugar a um direito. Quando a portaria regional da Acção Social Educativa, em vigor, restringe os apoios ao limite de € 261,00 per capita, dá a entender que, o governo, não assume a lógica de um direito, isto é, à fruição de uma escola em condições de efectiva igualdade de oportunidades no acesso, através de um sistema de acção social que permita superar ou compensar as carências no seio das famílias.
O problema reside ai. É por isso que a Portaria Regional que estabelece as regras de comparticipação deve ser urgentemente revista. Do nosso ponto de vista, já aqui o dissemos, ela é manifestamente indecorosa. E não é por acaso, muito depois de nós nos termos referido à actual Portaria, o Senhor Secretário Regional da Educação ter vindo a público assumir que no próximo ano ela será revista em função do modelo seguido pela República e que se baseia nas disposições do abono de família. É por aí, tendo em atenção a realidade económica e social das famílias, as dificuldades que muitas exprimem na altura da aquisição dos manuais e não só, que deverá ser entendida a tendencial gratuitidade do ensino e, neste caso, que os manuais escolares não sejam gravosos no orçamento familiar. Para além deste aspecto, o dos manuais, é preciso tomar medidas que conduzam ao bom senso no que diz respeito à listagem de materiais de aprendizagem que os professores indicam no início do ano lectivo. É incorrecto impor-se, por exemplo, uma marca de topo de gama, quando há tantas no mercado mais acessíveis. E são tantos os exemplos a este nível. Preocupações que devem ser tidas em conta.
Todos conhecemos a situação da Madeira. Ninguém de bom senso, por razões meramente partidárias, pode ignorar o que se passa na generalidade das famílias. A situação agrava-se dia-a-dia, com os altos custos de vida em função da média mensal das receitas. Isto significa que a pobreza, as carências mais profundas entram Escola adentro, as carências reflectem-se nos alunos, reflectem-se na crescente dificuldade que eles evidenciam no acesso a alguns materiais necessários à aprendizagem. É preciso estar na Escola para perceber e compreender isto e ter consciência do que lá se passa. Não nas Escolas de alguma pressuposta elite, mas nos estabelecimentos de ensino onde a grande mancha não é a de famílias de estatuto económico e social acima da média.
É aqui, tomando consciência da realidade social que o governo deve actuar. E a solução do problema está em definir, claramente, as prioridades de investimento. Para nós, a escola é um investimento no futuro da Região; alguns estádios de futebol enquadram-se não na lógica do investimento mas na lógica do gasto supérfluo e muitas vezes imoral; para nós, a escola é um investimento sagrado; algumas obras das Sociedades de Desenvolvimento enquadram-se na lógica do gasto supérfluo mas de protecção de alguns grupos económicos; para nós, a escola é um investimento que corresponde a um direito do ser humano; a subsidiodependência de todo o associativismo, sobretudo o desportivo, corresponde a um gasto ao serviço da política partidária e não um investimento ao serviço da educação e do desenvolvimento.
É aqui, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, que o governo deve actuar.
O problema não tem sido sequer falta de suporte orçamental mas, fundamentalmente, de capacidade para definir onde é que estão as prioridades em função do quadro económico, social e cultural da generalidade das famílias madeirenses. É daqui, é desta análise que deve resultar uma acção social escolar que coloque todos num patamar de igualdade e que, por isso mesmo, vá ao encontro da tendencial gratuitidade de que fala o preceito constitucional e que esta proposta traz à colação.
A Acção Social Escolar, Senhores Deputados, não pode ser entendida na lógica de uma qualquer Conferência de S. Vicente Paulo, com todo o respeito, de quem dá aos pobres empresta a Deus, na lógica da mão estendida para a caridade, mas numa lógica de direito onde subsiste o princípio humanista, de sensibilidade e respeito para com os outros, de reconhecimento que em qualquer pobre existe sempre um potencial de aprendizagem.
Os manuais enquadram-se neste princípio orientador. Se a sua adopção e utilização é por quatro ou seis anos, evidentemente, que estamos disponíveis para discutir em sede de Comissão. Este e todos os outros aspectos que esta proposta contempla.
Portanto, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, esta iniciativa, embora coloquemos reservas na articulação do texto, acaba por ter mérito porque vem despoletar, queira o Grupo Parlamentar do PSD assim entender, um debate mais profundo que tenha como princípio orientador a garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar tal como estipula o Artigo 74º da Constituição da República.

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