"Mas existe oposição na Madeira? Eu vejo um bando de tontos, não vejo oposição" - disse o presidente do governo regional (Tribuna da Madeira, 10.04.10, pág. 18). Uma declaração que não tem nada de novo, tantas vezes já foi dita. Na mesma edição, a jornalista Carmen Vieira, deu-me a possibilidade de colaborar na "tonteira" da oposição. Aqui fica o meu humilde contributo através da entrevista que me fez.
O recente chumbo de Jacinto Serrão como vice-presidente da Assembleia Legislativa voltou a levantar a polémica sobre esta matéria. Na sua opinião, de quem é a culpa deste impasse?
Certamente que não é da oposição que apenas tem catorze deputados. A responsabilidade é de quem dispõe de 33 deputados. Se a maioria respeitasse o Regimento que ela própria fez aprovar, obviamente que não fazia esta figura patética de apenas “conceder” dez votos. O Presidente e os Vice-Presidentes indicados pelo PSD deveriam ser votados, livremente, por todos os Deputados do PSD e da oposição. Todavia, alguém, no grupo parlamentar do PSD, parece ser dono dos votos da sua bancada. E neste aspecto, pelo que conheço de muitos deputados da maioria, pessoas de bem, esta situação entra no campo do absurdo. Aliás, o terceiro vice-presidente não é, não representa o PS, nem a oposição, mas sim a Assembleia Legislativa. Ele é apenas indicado pelo maior grupo parlamentar da oposição. O Regimento é claro quando sublinha que o Presidente e os três Vice-Presidentes constituem a Presidência da Assembleia. Por outro lado, bastaria que olhassem para a Assembleia da República, onde o Dr. Guilherme Silva é vice-presidente com os votos do PS e de outros partidos. Portanto, o que aqui se passa enquadra-se no campo da anormalidade democrática que, há muito, deveria ter merecido um reparo por parte do Senhor Presidente da República. A Assembleia funciona de forma irregular. Mas, enfim, o Dr. Cavaco Silva parece ser Presidente de alguns portugueses e não de todos. Isso ficou bem claro quando realizou a sua visita oficial à Madeira onde se negou a presidir a uma sessão no Parlamento. A partir daí, tudo é possível.
Concorda com uma recandidatura de Jacinto Serrão?
Essa é uma decisão do foro pessoal do Dr. Jacinto Serrão e da Comissão Política do PS. Ter decidido, naquele dia, não se submeter a um segundo escrutínio, constituiu um acto político de grande dignidade. E estou convencido que este assunto não vai ficar por aqui.
O Grupo Parlamentar do PS/M entregou, recentemente, na mesa da Assembleia Legislativa um requerimento a solicitar um debate urgente sobre o estado económico e social da Região, com a presença do presidente do Governo Regional. Tendo em conta o destino que tem sido dado aos requerimentos da oposição, acredita que esta iniciativa chegará a bom porto?
O Presidente do Governo sempre gostou de falar a solo. É típico de quem atira pedras e depois fecha-se em casa. Falta-lhe cultura democrática e capacidade política para enfrentar os que têm opinião diferente. É um político que ama o poder, está consciente das suas fragilidades argumentativas e, por isso, fugiu sempre ao debate. Ele criou essa auréola de intocável, de inatacável e a melhor forma de manter-se no poder é a de não permitir que as suas decisões sejam confrontadas aos olhos de todos. Ele sabe que uma opção pelo debate, com as mesmas características a que se submete o Engº José Sócrates na Assembleia da República, seria trágico para ele. Por isso, distancia-se, ataca à distância e controla o sistema através de uma rede de pequenas e de grandes dependências. Para além deste comportamento distorcer os princípios e os valores da democracia, o sistema acaba por gerar o sentimento de medo desde os mais qualificados até aos mais humildes. É o melhor caminho para manter a sociedade controlada sob o desígnio de uma falsa democracia. É claro que esta iniciativa do PS-M está condenada, mas se outra for a decisão do Presidente do Governo, estou certo que farão um regimento para um pseudodebate.
Quais serão as principais matérias com as quais o PS/M pretende confrontar Alberto João Jardim?
Qualquer pessoa minimamente informada sabe que a Madeira vive uma situação económica, social e cultural muito complexa. O problema não adveio da crise internacional dos dois últimos anos, tampouco é consequência da Lei das Finanças Regionais. O drama tem origem em trinta e quatro anos de governação ininterrupta cuja estratégia assentou sempre na obra pública, nas inaugurações e nas eleições. Não cuidaram da organização da sociedade em todos os domínios, da educação, da família, da economia e das empresas, enquanto pilares fundamentais da estrutura societal. É por isso que temos 30% de pobres, 15.000 desempregados, péssimos indicadores no conhecimento e nas competências profissionais, a avaliar pelos resultados dos exames nacionais, trágicos indicadores de insucesso e abandono escolar e baixo nível cultural. Perante isto, as perguntas que se colocam são estas: que futuro nos reserva? Que inovação, criatividade e sentido empreendedor e de risco poderá ter uma população tragicamente pobre em vários domínios?
Para além deste quadro, é dever do Presidente do Governo explicar por que é que temos impostos tão elevados, quer para as empresas, quer para as famílias; que razão sustenta o facto de os madeirenses terem reformas mais baixas; como justifica que o salário mínimo seja menor que nos Açores; por que razão os custos dos transportes são tão elevados penalizando seriamente a competitividade da economia e o consumo de bens necessários aos madeirenses; que justificação dá à concorrência desleal do sector público às empresas; como justifica o atraso no pagamento das dívidas aos fornecedores madeirenses provocando um verdadeiro garrote ao seu funcionamento empresarial; como justifica o endividamento galopante que acaba por cair sobre os ombros de todos, por investimentos absurdos com encargos disparatados e sem retorno adequado; que razões encontra para a ausência total de medidas para promover a diversificação da economia regional. São tantas e tantas as questões que, sabendo ele a dificuldade da resposta, o melhor, certamente que assim pensa, é enclausurar-se na Quinta.
A dívida da Região tem sido alvo de controvérsia, havendo leituras diferentes sobre a sua verdadeira dimensão. Qual o motivo para estas discrepâncias? Existe, de facto, o risco de a dívida comprometer as gerações futuras?
Não somos nós que dizemos que a dívida se aproxima dos seis mil milhões de euros. Basta somar o que o Tribunal de Contas apura. O resto é paleio. É evidente que o governo não assume, como não assume os indicadores de pobreza. No domínio da pobreza, o Secretário dos Assuntos Sociais fala em 4%, o Presidente do Governo em 8 a 10% e os estudos de vários académicos e de entidade insuspeitas apontam para 30%. O Dr. Roque Martins foi substituído porque se atreveu a falar a verdade. Ora, se nem a pobreza o governo assume, como irá assumir a dívida? Agora, de uma coisa estou certo, a crise ainda não chegou à Madeira. Em 2012 o governo que ganhar as eleições de 2011 começará a pagar o que deve e aí, cerca de 30% do orçamento regional, desde logo, ficará absorvido pelos compromissos. Isto significa que estão para chegar tempos muito complexos que só uma rotura com os paradigmas económico e educativo poderão, a prazo, gerar alguma melhoria no bem-estar da população. Mas levará alguns anos. As próximas gerações terão a vida muito complicada, porque a Autonomia não significou responsabilidade. Para já, torna-se imperiosa a mudança de governo e de orientação política, porque ninguém poderá esperar um futuro melhor se as causas se mantiverem.
Como classifica o estado da democracia na Região?
Vivemos em uma democracia virtual. Estamos mais próximos de uma ditadura que de uma democracia. Não basta votar, livremente, e poder dizer o que se pensa para que a democracia exista. O conceito de democracia é muito mais vasto e por aquilo que já lhe disse nesta conversa, concluo que estamos muito distantes da plenitude da vida democrática. Aliás, os níveis de pobreza espelham isso mesmo. Vive-se em uma sociedade tentacular e subsidiodependente e com o peso de uma Igreja que não ajuda à libertação das pessoas. Onde um terço da população é muito pobre, acrescida de uma outra parte que sobrevive, é evidente que o estado da democracia não pode ser saudável. Mas se olharmos para um outro nível, o do debate político, basta analisar o Regimento da Assembleia para constatarmos as formas subtis e até descaradas de condicionamento da palavra. Isto para não falar das iniciativas propostas, sobretudo debates e comissões de inquérito que jazem na vala comum da Assembleia.
Parece-lhe que vivemos numa sociedade amordaçada e com medo?
Amordaçada não digo, mas com medo sim. E cada vez mais. Hoje, ter emprego não significa dispor de um mínimo de bem-estar. E sendo assim, pergunto, se as pessoas não viverão com medo? Medo do futuro, medo de não poderem pagar os seus compromissos, medo de não poderem educar os filhos? E quando isto acontece emerge um outro medo: o da afirmação pessoal, o medo de dizer que discorda do governo, o medo de assumir um papel político-social e o medo dos empresários dizerem basta. Há medo, sem margem para qualquer dúvida, mesmo entre os que fazem parte do poder. Já há quem olhe em redor para ver quem está por perto. São sinais de uma sociedade doente e com medo.
Na sua opinião, a Madeira tem uma comunicação social livre?
Não tem. Tome-se em consideração a existência do Jornal da Madeira, pago com os impostos dos madeirenses para fazer a exclusiva propaganda do governo e do PSD. O desplante é tal que até o distribuem gratuitamente, distorcendo as regras de mercado. Enquanto uns empresários trabalham, diariamente, para garantir a subsistência dos órgãos e pagar aos seus colaboradores, o Jornal da Madeira desfruta de um apoio oficial de cerca de onze mil euros diários. Esta entrevista por exemplo, não seria publicada no Jornal da Madeira. E o que dizer das rádios locais e do serviço público de rádio e televisão onde o poder ajuda a colocar quem quer e entende! Um militante ou independente ligado ao PSD pode assumir cargos de liderança no serviço público, mas um militante ou independente do PS ou de qualquer outro partido, não. Por outro lado, o facto de, em um ou outro programa, os intervenientes serem, digamos, mais atrevidos e incisivos, isso não significa, genericamente, que a comunicação social seja livre. O poder também precisa de algumas válvulas de escape que legitimem a hipotética liberdade da comunicação social. Ademais, sinto que há muita pressão e muitos actos de sobrevivência. Chegou-se a um ponto que, por exemplo, em uma inauguração, não ser fácil um jornalista questionar o presidente do governo ou um secretário com as perguntas que gostaria de fazer. É por isso que dou muito valor a quem optou pela profissão de jornalista, porque é muito complicado o seu desempenho em uma Região de vários condicionamentos e de subtis perseguições.
Como avalia a actual relação da comunicação social com o poder na Região?
Prefiro responder da seguinte forma: já terá a comunicação social da Região reparado, por exemplo, na profundidade das propostas legislativas do PS?
Que análise faz do papel da Justiça na luta contra a corrupção na Madeira?
O governo diz que não e apenas pede provas. Mas também se diz que onde há fumo há fogo, e que existe muita coisa por aí de origem mal explicada. Daí gostasse de entender por que razão não se investiga tudo aquilo que é mal explicado. A Madeira precisa de instituições de investigação criminal mais atentas, mais interventoras, mais distantes, mas também com melhores meios, se bem que a ausência de meios não explique tudo. A sensação que tenho é que a malha da Justiça é demasiado larga. Bastaria que lessem algumas peças que sempre vão saindo na comunicação social e pegassem o fio da meada, custasse o que custasse e doesse a quem doesse.
Pode-se afirmar que vivemos num sistema corrupto?
Aparentemente não, mas só o futuro o dirá.
Qual o papel da Igreja no actual regime na Região?
É crucial pelo seu enervante e cómodo silêncio. Em contraponto, gostaria de ver uma Igreja que não se preocupasse com novos Templos, antes se colocasse do lado dos que sofrem, contextualizando à luz da Palavra os motivos porque sofrem. Gostaria de sentir uma Igreja actuante, que colocasse o poder em sentido, que marcasse o seu espaço de intervenção religiosa e social, aspectos que implicam que seja menos repetitiva nas palavras ditas. Esse não é o caminho de Cristo, mas o caminho de uma sociedade domesticada e emparedada. Por isso, evangelizar não chega, porque essa estrada conduz apenas ao círculo vicioso. A Igreja tem de ser política. O que não deve é ser partidária e muitas vezes denuncia que é descaradamente partidária.
Após a tragédia de 20 de Fevereiro, falou-se, de novo, no povo superior. Concorda com a superioridade apregoada pelo poder regional?
Essa é uma mistificação ou uma designação gratuita, dita com uma deliberada intenção de subjugação do povo. Quem a proferiu, sabe que não há povos superiores seja em que contexto for. Agora, existem sistemas políticos que conduzem a níveis de escolaridade superiores, capacidade de investigação superior, sistemas sociais de qualidade superior que geram um bem-estar superior. Qualquer pessoa sabe que face à tragédia de 20 de Fevereiro só nos restava uma saída: recomeçar. Mas isto não significa ser superior. Aquela data apenas significou que a solidariedade continua a acompanhar o Homem e, nesse aspecto, fomos exemplo.
Acredita que será possível acabar com o jardinismo?
Todos os poderes absolutos caíram, inclusive, os mais ditatoriais.
Uma frente comum da oposição em 2011 seria a solução para atingir esse objectivo?
O PS tem capacidade para disputar o poder de igual para igual. Sair vitorioso é difícil, muito difícil, por todas as razões que desenvolvi ao longo desta conversa. Existe um peso institucional que é muito superior à capacidade de transmissão da mensagem e da afirmação das pessoas que compõem a alternativa. O PSD tem dois, três, quatro palcos por dia para transmitir a sua verdade; o PS tem um, quando tem. O povo paga o Jornal da Madeira, o PS não tem nem Fundações nem dinheiro fácil. Estamos a fazer o nosso caminho com seriedade, honestidade e com a força da razão contra a razão da força.
De 0 a 20, que nota daria a estes 30 anos de jardinismo?
Eu diria que não merece ir à oral. A principal obra deveria ter sido o investimento nos homens e mulheres que aqui nasceram ou escolheram a Madeira para viver. A opção foi pelo cimento, daí os péssimos indicadores que dispomos que já estamos a pagar. Há uma diferença muito grande entre ser estadista e ser político. Aqui prevaleceu o político, onde a preparação do futuro pouco contou. Globalmente, esta política merece ser chumbada.
Na sua opinião quais foram o principal fracasso e o principal sucesso do regime jardinista?
O jardinismo deixará marcas que levarão tempo a apagar e a reconverter. A marca da pobreza, da exclusão social, da ignorância e das assimetrias económicas, sociais e culturais não se apagam de um dia para o outro. Fala-se da obra, pois, todos sabemos que quando há dinheiro empreiteiros não faltam. O caminho foi, deliberadamente, esse, à custa do desordenamento territorial, da insustentabilidade das opções e do compadrio que ajudou a defender o regime. Fizeram uma Madeira toda igual, quando só aquilo que é diferente, vende. O problema é saber, se com o mesmo dinheiro, mas com outras opções mais sustentáveis, não teríamos uma sociedade mais equilibrada, mais competitiva e com uma melhor distribuição da riqueza. Hoje, temos muita coisa, mas falta o essencial na pirâmide das necessidades. Temos uma sociedade esventrada de valores e matizada pelo salve-se quem puder, com as gerações futuras no remoinho do pagamento das facturas que terão de ser pagas.
Voltou à liderança da bancada do PS/M após uma breve passagem nestas funções em 2009. Por que aceitou o cargo?
O passado, é isso mesmo, passado. Sem qualquer menosprezo pela direcção anterior, penso que estão agora reunidas novas condições para o PS-M ser bem sucedido. É minha convicção que o actual projecto é aglutinador e respeitado. O PS está no caminho certo, quando é sensível uma estrutura interna profissional, um líder que sabe o que não quer e quando tem um grupo parlamentar que estuda os dossiês e argumenta com profundidade as opções políticas. Sinto-me um coordenador de uma equipa de trabalho com quem a Região pode contar. Apenas lamento ser curto o número de deputados, depois do que aconteceu na sequência daquela encenação maquiavelicamente construída em 2007 a propósito da Lei das Finanças Regionais.
Como analisa a actual situação do PS/M. Acredita que está a ser conseguida a pacificação do partido com esta nova liderança?
Mas qual é o partido que não tem desentendimentos? Olhe-se em redor e, por exemplo, no que acontece no PSD, com a efervescência entre putativos candidatos. A sensação que tenho é a da panela de pressão que só não explode porque há um sistema amarrado e sem contemplações. Sabe, eu tenho receio é dos aparentes silêncios que escondem incalculáveis tensões. É claro que há uma diferença entre disfunções internas de natureza funcional e de natureza disfuncional. Os desentendimentos funcionais são próprios das organizações e fazem-nas crescer. Já os disfuncionais são perigosos, porque escondem pequenos e egoístas interesses. Neste aspecto, aquilo que sinto é que o Dr. Jacinto Serrão é um líder atento.
Concorda com uma recandidatura de Jacinto Serrão?
Essa é uma decisão do foro pessoal do Dr. Jacinto Serrão e da Comissão Política do PS. Ter decidido, naquele dia, não se submeter a um segundo escrutínio, constituiu um acto político de grande dignidade. E estou convencido que este assunto não vai ficar por aqui.
O Grupo Parlamentar do PS/M entregou, recentemente, na mesa da Assembleia Legislativa um requerimento a solicitar um debate urgente sobre o estado económico e social da Região, com a presença do presidente do Governo Regional. Tendo em conta o destino que tem sido dado aos requerimentos da oposição, acredita que esta iniciativa chegará a bom porto?
O Presidente do Governo sempre gostou de falar a solo. É típico de quem atira pedras e depois fecha-se em casa. Falta-lhe cultura democrática e capacidade política para enfrentar os que têm opinião diferente. É um político que ama o poder, está consciente das suas fragilidades argumentativas e, por isso, fugiu sempre ao debate. Ele criou essa auréola de intocável, de inatacável e a melhor forma de manter-se no poder é a de não permitir que as suas decisões sejam confrontadas aos olhos de todos. Ele sabe que uma opção pelo debate, com as mesmas características a que se submete o Engº José Sócrates na Assembleia da República, seria trágico para ele. Por isso, distancia-se, ataca à distância e controla o sistema através de uma rede de pequenas e de grandes dependências. Para além deste comportamento distorcer os princípios e os valores da democracia, o sistema acaba por gerar o sentimento de medo desde os mais qualificados até aos mais humildes. É o melhor caminho para manter a sociedade controlada sob o desígnio de uma falsa democracia. É claro que esta iniciativa do PS-M está condenada, mas se outra for a decisão do Presidente do Governo, estou certo que farão um regimento para um pseudodebate.
Quais serão as principais matérias com as quais o PS/M pretende confrontar Alberto João Jardim?
Qualquer pessoa minimamente informada sabe que a Madeira vive uma situação económica, social e cultural muito complexa. O problema não adveio da crise internacional dos dois últimos anos, tampouco é consequência da Lei das Finanças Regionais. O drama tem origem em trinta e quatro anos de governação ininterrupta cuja estratégia assentou sempre na obra pública, nas inaugurações e nas eleições. Não cuidaram da organização da sociedade em todos os domínios, da educação, da família, da economia e das empresas, enquanto pilares fundamentais da estrutura societal. É por isso que temos 30% de pobres, 15.000 desempregados, péssimos indicadores no conhecimento e nas competências profissionais, a avaliar pelos resultados dos exames nacionais, trágicos indicadores de insucesso e abandono escolar e baixo nível cultural. Perante isto, as perguntas que se colocam são estas: que futuro nos reserva? Que inovação, criatividade e sentido empreendedor e de risco poderá ter uma população tragicamente pobre em vários domínios?
Para além deste quadro, é dever do Presidente do Governo explicar por que é que temos impostos tão elevados, quer para as empresas, quer para as famílias; que razão sustenta o facto de os madeirenses terem reformas mais baixas; como justifica que o salário mínimo seja menor que nos Açores; por que razão os custos dos transportes são tão elevados penalizando seriamente a competitividade da economia e o consumo de bens necessários aos madeirenses; que justificação dá à concorrência desleal do sector público às empresas; como justifica o atraso no pagamento das dívidas aos fornecedores madeirenses provocando um verdadeiro garrote ao seu funcionamento empresarial; como justifica o endividamento galopante que acaba por cair sobre os ombros de todos, por investimentos absurdos com encargos disparatados e sem retorno adequado; que razões encontra para a ausência total de medidas para promover a diversificação da economia regional. São tantas e tantas as questões que, sabendo ele a dificuldade da resposta, o melhor, certamente que assim pensa, é enclausurar-se na Quinta.
A dívida da Região tem sido alvo de controvérsia, havendo leituras diferentes sobre a sua verdadeira dimensão. Qual o motivo para estas discrepâncias? Existe, de facto, o risco de a dívida comprometer as gerações futuras?
Não somos nós que dizemos que a dívida se aproxima dos seis mil milhões de euros. Basta somar o que o Tribunal de Contas apura. O resto é paleio. É evidente que o governo não assume, como não assume os indicadores de pobreza. No domínio da pobreza, o Secretário dos Assuntos Sociais fala em 4%, o Presidente do Governo em 8 a 10% e os estudos de vários académicos e de entidade insuspeitas apontam para 30%. O Dr. Roque Martins foi substituído porque se atreveu a falar a verdade. Ora, se nem a pobreza o governo assume, como irá assumir a dívida? Agora, de uma coisa estou certo, a crise ainda não chegou à Madeira. Em 2012 o governo que ganhar as eleições de 2011 começará a pagar o que deve e aí, cerca de 30% do orçamento regional, desde logo, ficará absorvido pelos compromissos. Isto significa que estão para chegar tempos muito complexos que só uma rotura com os paradigmas económico e educativo poderão, a prazo, gerar alguma melhoria no bem-estar da população. Mas levará alguns anos. As próximas gerações terão a vida muito complicada, porque a Autonomia não significou responsabilidade. Para já, torna-se imperiosa a mudança de governo e de orientação política, porque ninguém poderá esperar um futuro melhor se as causas se mantiverem.
Como classifica o estado da democracia na Região?
Vivemos em uma democracia virtual. Estamos mais próximos de uma ditadura que de uma democracia. Não basta votar, livremente, e poder dizer o que se pensa para que a democracia exista. O conceito de democracia é muito mais vasto e por aquilo que já lhe disse nesta conversa, concluo que estamos muito distantes da plenitude da vida democrática. Aliás, os níveis de pobreza espelham isso mesmo. Vive-se em uma sociedade tentacular e subsidiodependente e com o peso de uma Igreja que não ajuda à libertação das pessoas. Onde um terço da população é muito pobre, acrescida de uma outra parte que sobrevive, é evidente que o estado da democracia não pode ser saudável. Mas se olharmos para um outro nível, o do debate político, basta analisar o Regimento da Assembleia para constatarmos as formas subtis e até descaradas de condicionamento da palavra. Isto para não falar das iniciativas propostas, sobretudo debates e comissões de inquérito que jazem na vala comum da Assembleia.
Parece-lhe que vivemos numa sociedade amordaçada e com medo?
Amordaçada não digo, mas com medo sim. E cada vez mais. Hoje, ter emprego não significa dispor de um mínimo de bem-estar. E sendo assim, pergunto, se as pessoas não viverão com medo? Medo do futuro, medo de não poderem pagar os seus compromissos, medo de não poderem educar os filhos? E quando isto acontece emerge um outro medo: o da afirmação pessoal, o medo de dizer que discorda do governo, o medo de assumir um papel político-social e o medo dos empresários dizerem basta. Há medo, sem margem para qualquer dúvida, mesmo entre os que fazem parte do poder. Já há quem olhe em redor para ver quem está por perto. São sinais de uma sociedade doente e com medo.
Na sua opinião, a Madeira tem uma comunicação social livre?
Não tem. Tome-se em consideração a existência do Jornal da Madeira, pago com os impostos dos madeirenses para fazer a exclusiva propaganda do governo e do PSD. O desplante é tal que até o distribuem gratuitamente, distorcendo as regras de mercado. Enquanto uns empresários trabalham, diariamente, para garantir a subsistência dos órgãos e pagar aos seus colaboradores, o Jornal da Madeira desfruta de um apoio oficial de cerca de onze mil euros diários. Esta entrevista por exemplo, não seria publicada no Jornal da Madeira. E o que dizer das rádios locais e do serviço público de rádio e televisão onde o poder ajuda a colocar quem quer e entende! Um militante ou independente ligado ao PSD pode assumir cargos de liderança no serviço público, mas um militante ou independente do PS ou de qualquer outro partido, não. Por outro lado, o facto de, em um ou outro programa, os intervenientes serem, digamos, mais atrevidos e incisivos, isso não significa, genericamente, que a comunicação social seja livre. O poder também precisa de algumas válvulas de escape que legitimem a hipotética liberdade da comunicação social. Ademais, sinto que há muita pressão e muitos actos de sobrevivência. Chegou-se a um ponto que, por exemplo, em uma inauguração, não ser fácil um jornalista questionar o presidente do governo ou um secretário com as perguntas que gostaria de fazer. É por isso que dou muito valor a quem optou pela profissão de jornalista, porque é muito complicado o seu desempenho em uma Região de vários condicionamentos e de subtis perseguições.
Como avalia a actual relação da comunicação social com o poder na Região?
Prefiro responder da seguinte forma: já terá a comunicação social da Região reparado, por exemplo, na profundidade das propostas legislativas do PS?
Que análise faz do papel da Justiça na luta contra a corrupção na Madeira?
O governo diz que não e apenas pede provas. Mas também se diz que onde há fumo há fogo, e que existe muita coisa por aí de origem mal explicada. Daí gostasse de entender por que razão não se investiga tudo aquilo que é mal explicado. A Madeira precisa de instituições de investigação criminal mais atentas, mais interventoras, mais distantes, mas também com melhores meios, se bem que a ausência de meios não explique tudo. A sensação que tenho é que a malha da Justiça é demasiado larga. Bastaria que lessem algumas peças que sempre vão saindo na comunicação social e pegassem o fio da meada, custasse o que custasse e doesse a quem doesse.
Pode-se afirmar que vivemos num sistema corrupto?
Aparentemente não, mas só o futuro o dirá.
Qual o papel da Igreja no actual regime na Região?
É crucial pelo seu enervante e cómodo silêncio. Em contraponto, gostaria de ver uma Igreja que não se preocupasse com novos Templos, antes se colocasse do lado dos que sofrem, contextualizando à luz da Palavra os motivos porque sofrem. Gostaria de sentir uma Igreja actuante, que colocasse o poder em sentido, que marcasse o seu espaço de intervenção religiosa e social, aspectos que implicam que seja menos repetitiva nas palavras ditas. Esse não é o caminho de Cristo, mas o caminho de uma sociedade domesticada e emparedada. Por isso, evangelizar não chega, porque essa estrada conduz apenas ao círculo vicioso. A Igreja tem de ser política. O que não deve é ser partidária e muitas vezes denuncia que é descaradamente partidária.
Após a tragédia de 20 de Fevereiro, falou-se, de novo, no povo superior. Concorda com a superioridade apregoada pelo poder regional?
Essa é uma mistificação ou uma designação gratuita, dita com uma deliberada intenção de subjugação do povo. Quem a proferiu, sabe que não há povos superiores seja em que contexto for. Agora, existem sistemas políticos que conduzem a níveis de escolaridade superiores, capacidade de investigação superior, sistemas sociais de qualidade superior que geram um bem-estar superior. Qualquer pessoa sabe que face à tragédia de 20 de Fevereiro só nos restava uma saída: recomeçar. Mas isto não significa ser superior. Aquela data apenas significou que a solidariedade continua a acompanhar o Homem e, nesse aspecto, fomos exemplo.
Acredita que será possível acabar com o jardinismo?
Todos os poderes absolutos caíram, inclusive, os mais ditatoriais.
Uma frente comum da oposição em 2011 seria a solução para atingir esse objectivo?
O PS tem capacidade para disputar o poder de igual para igual. Sair vitorioso é difícil, muito difícil, por todas as razões que desenvolvi ao longo desta conversa. Existe um peso institucional que é muito superior à capacidade de transmissão da mensagem e da afirmação das pessoas que compõem a alternativa. O PSD tem dois, três, quatro palcos por dia para transmitir a sua verdade; o PS tem um, quando tem. O povo paga o Jornal da Madeira, o PS não tem nem Fundações nem dinheiro fácil. Estamos a fazer o nosso caminho com seriedade, honestidade e com a força da razão contra a razão da força.
De 0 a 20, que nota daria a estes 30 anos de jardinismo?
Eu diria que não merece ir à oral. A principal obra deveria ter sido o investimento nos homens e mulheres que aqui nasceram ou escolheram a Madeira para viver. A opção foi pelo cimento, daí os péssimos indicadores que dispomos que já estamos a pagar. Há uma diferença muito grande entre ser estadista e ser político. Aqui prevaleceu o político, onde a preparação do futuro pouco contou. Globalmente, esta política merece ser chumbada.
Na sua opinião quais foram o principal fracasso e o principal sucesso do regime jardinista?
O jardinismo deixará marcas que levarão tempo a apagar e a reconverter. A marca da pobreza, da exclusão social, da ignorância e das assimetrias económicas, sociais e culturais não se apagam de um dia para o outro. Fala-se da obra, pois, todos sabemos que quando há dinheiro empreiteiros não faltam. O caminho foi, deliberadamente, esse, à custa do desordenamento territorial, da insustentabilidade das opções e do compadrio que ajudou a defender o regime. Fizeram uma Madeira toda igual, quando só aquilo que é diferente, vende. O problema é saber, se com o mesmo dinheiro, mas com outras opções mais sustentáveis, não teríamos uma sociedade mais equilibrada, mais competitiva e com uma melhor distribuição da riqueza. Hoje, temos muita coisa, mas falta o essencial na pirâmide das necessidades. Temos uma sociedade esventrada de valores e matizada pelo salve-se quem puder, com as gerações futuras no remoinho do pagamento das facturas que terão de ser pagas.
Voltou à liderança da bancada do PS/M após uma breve passagem nestas funções em 2009. Por que aceitou o cargo?
O passado, é isso mesmo, passado. Sem qualquer menosprezo pela direcção anterior, penso que estão agora reunidas novas condições para o PS-M ser bem sucedido. É minha convicção que o actual projecto é aglutinador e respeitado. O PS está no caminho certo, quando é sensível uma estrutura interna profissional, um líder que sabe o que não quer e quando tem um grupo parlamentar que estuda os dossiês e argumenta com profundidade as opções políticas. Sinto-me um coordenador de uma equipa de trabalho com quem a Região pode contar. Apenas lamento ser curto o número de deputados, depois do que aconteceu na sequência daquela encenação maquiavelicamente construída em 2007 a propósito da Lei das Finanças Regionais.
Como analisa a actual situação do PS/M. Acredita que está a ser conseguida a pacificação do partido com esta nova liderança?
Mas qual é o partido que não tem desentendimentos? Olhe-se em redor e, por exemplo, no que acontece no PSD, com a efervescência entre putativos candidatos. A sensação que tenho é a da panela de pressão que só não explode porque há um sistema amarrado e sem contemplações. Sabe, eu tenho receio é dos aparentes silêncios que escondem incalculáveis tensões. É claro que há uma diferença entre disfunções internas de natureza funcional e de natureza disfuncional. Os desentendimentos funcionais são próprios das organizações e fazem-nas crescer. Já os disfuncionais são perigosos, porque escondem pequenos e egoístas interesses. Neste aspecto, aquilo que sinto é que o Dr. Jacinto Serrão é um líder atento.
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