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quinta-feira, 10 de abril de 2008

QUERIDO LÍDER

Numa altura em que se fala de uma irónica proposta do PND que sugere a construção de uma estátua pelos trinta anos de governo; tendo, ainda ontem, sido debatido e aprovado, na ALM, um Projecto de Resolução que constitui um louvor ao Presidente do PSD e do Governo Regional, recupero, hoje, a propósito, um texto que publiquei no jornal A Página da Educação do qual sou colaborador. Já tem um certo tempo, é referente à edição de Maio de 2007, mas continua actual.
“Alberto. A tua luta é a nossa. Também nós queremos o melhor para a nossa terra. Alberto. És e sempre serás conhecido como o maior líder do povo madeirense e eles, os outros, sabem, embora não o confessem”. O padre benzeu a nova escola e o querido líder, Alberto João Jardim, no meio de vivas e palmas, agradeceu embevecido o gesto dos meninos do 1º Ciclo do Ensino Básico.
Situações desta natureza acontecem com frequência. Neste caso, um oportuno “ponto de ordem” do DN-Madeira deu a conhecer: “(...) o gesto despreocupado dos meninos, que usaram horas lectivas sob o olhar atento dos professores para bendizer aquele cujo nome “perdurará para sempre” (...)”. E, mais adiante, a propósito da declaração do Dr. Jardim relativamente à necessidade de um sistema educativo regional, o desabafo: “(...) ainda mais regional do que este, em que os alunos escrevem poemas e fazem desenhos nas aulas a enaltecer o “carácter”, o ”talento” e o “carisma” do presidente do governo (...). Mais do que isto, termina o texto de Márcio Berenguer, “só o modelo do Estado Novo ou o da Coreia do Norte. Fotografias do líder nas salas de aula (...) e uma palmatória para quem não rimar”.
Ora, qualquer político decente, portador de princípios e de valores, defensor de um sistema educativo compaginado, a montante, com consistentes políticas de natureza económica, social e cultural, não pode permitir a utilização da inocência infantil como terreno fofo para semear os seus desígnios ideológicos e os interesses pessoais ou de grupo. É indecente!
O sociólogo Robert Kurz, citado pelo psicanalista Raymond de Lima, sublinha que “o poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas”. Isto na linha de um outro psicanalista Jacques Lacan que observou: “(...) a partir do momento que alguém se vê “rei”, muda a sua personalidade. O seu olhar sobre os outros torna-se diferente. Acaba por olhar de cima os seus governados, os comandados, os coordenados, enfim, os demais”. Aquela situação vivida numa escola de 1º ciclo personifica, assim, a estupidez de quem ama o poder, esquecendo-se que este, no mor das vezes, faz fronteira com a loucura. Aliás, quando o mentor desta tramóia regional diz, à boca cheia que nunca esteve “tão pouco resignado como agora” confirma a sua obsessão doentia de eternização no poder, à qual se juntam manifestos e gigantescos interesses de grupos face aos quais há muito deles está, politicamente, refém. Há aqui, na feliz expressão de La Boétie, uma “servidão voluntária” ou, como emerge de Raymond, a necessidade de uma máscara “para enganar-se a si e aos outros”. Poder é, de facto, uma palavra que o fascina.
A situação é muito grave. Os milhões desperdiçados em obras não prioritárias porque desenquadradas de um plano global de desenvolvimento sustentável; as oito empresas públicas consideradas pelo Tribunal de Contas “tecnicamente falidas”; os nove mil desempregados e muitos mais que vivem, diariamente, com o credo na boca (leia-se precariedade); a crónica e permanente ausência de uma política educativa e de juventude séria e exigente, consubstanciada no rigor das aprendizagens e em princípios e valores para a vida; a formação profissional pública que não permite uma resposta qualificada às necessidades do emprego; a política cultural onde se enquadra, obviamente, a desportiva, carecida que anda de uma rotura que a recentre nos grandes objectivos de formação humanista (só em 2006 foram atribuídos € 27.752.244,00 de subsídios ao associativismo desportivo, enquanto o desporto educativo escolar andou e anda à mingua, cancelando iniciativas, e os estabelecimentos de ensino com meses de atraso na satisfação dos compromissos com os fornecedores; a alta taxa de analfabetismo (12,7%) e de abandono escolar precoce; a preocupante política de agricultura, pescas, bordados e vimes, em que são sempre os outros os culpados das incapacidades locais; a gestão autárquica já com dois processos julgados e os seus responsáveis políticos condenados a penas de prisão; a falida política de saúde, onde há tanto para mexer e remexer no sentido da satisfação dos seus operacionais e utentes; a política social que, entre outros quadros dramáticos, passa ao lado da violência e da promiscuidade familiar, da toxicodependência, da exclusão e que deixa nas camas dos hospitais dezenas de idosos que não têm para onde ir (as designadas altas problemáticas), quando, em redor, há tanto dinheiro público mal empregue e um crescente fosso entre ricos e pobres; neste desfiar, já agora, os milhões de subsídios atribuídos (422,7 milhões de euros em 2006) geradores de uma falsa ideia de que tudo é fácil e que há sempre uma mão protectora que apenas exige a fidelidade do voto.
Em suma, perguntar-se-á, que juventude estão a criar e que futuro estão a desenhar? Enquanto o quadro tende para o negro, na Escola, os meninos do 1º Ciclo escrevem: “Alberto, a tua luta é a nossa!”.

1 comentário:

MMV disse...

Esse quadro é pintado em tons de preto, quando na verdade existe muito branco na pintura!

Eu não sou do 1.º Ciclo e escreveria:

"Alberto, a tua luta é a nossa!"