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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

"O BOM ENSINO SUPERA UMA UMA ESCOLHA TECNOLÓGICA POBRE... MAS A TECNOLOGIA NUNCA SALVARÁ O MAU ENSINO" - TONY BATES

Intervenção da minha autoria produzida, hoje, no plenário da Assembleia Legislativa da Madeira.
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
Nesta segunda sessão legislativa, regressamos com redobradas e fundadas preocupações no quadro do sistema educativo.
E as preocupações que nos animam têm a sua razão de ser uma vez que se baseiam no facto de nos dezassete meses que levamos de legislatura, não ter existido, por parte do governo, uma única iniciativa que indiciasse o sentido e a vontade de mudar as características que enformam o Sistema Educativo Regional. Foram dezassete meses de rotinas e o que ficou foi um Estatuto da Carreira Docente manco e cheio de incoerências, condenado pelos parceiros sociais, uma avaliação de desempenho que se arrasta pelos gabinetes da Secretaria Regional e uma Portaria de Acção Social Educativa que, tal como dissemos, manifesta-se, hoje, de forma indecorosa relativamente às necessidades das famílias. Tanto assim é que o próprio Secretário Regional já admitiu a necessidade de uma revisão que se aproxime do quadro legal vigente no Continente. Curiosamente, ou talvez não, há dias chumbaram uma nossa proposta nesse sentido.
Restou, ainda, já no decorrer deste ano parlamentar, sem que o justificasse, um Congresso denominado “A Educação Hoje”, organizado por uma entidade estranha à Região, esquecendo-se a Direcção Regional de Educação que a Madeira, por um lado, tem a sua Universidade e dentro dela um Departamento de Ciências de Educação com múltiplos trabalhos de investigação no âmbito de Mestrados e Doutoramentos e que sobre eles urge reflectir; por outro lado, um congresso sem justificação quando, ainda recentemente, o principal parceiro social da Educação, o Sindicato de Professores da Madeira, organizou um Congresso do qual saíram centenas de propostas e, depois de amanhã, tem início o IV Colóquio das Ciências de Educação, organizado pela UMa.
O governo, segundo o congresso por si realizado, fala da Educação Hoje quando o problema já não pode centrar-se nos dias que correm mas num futuro que dê garantias de sucesso uma vez que é na Escola que podemos alicerçar o futuro desta nossa Região.
O governo fala da Educação Hoje e sublinha que tal Congresso foi de uma fecundidade tal que “muito haverá a esperar relativamente ao processo de construção (reparem bem nesta retórica) de um paradigma educacional sócio-crítico e reconstrucionista, reflexivo e ecológico". Repito: “um paradigma educacional sócio-crítico e reconstrucionista, reflexivo e ecológico". Qualquer um dos Senhores Deputados certamente não percebeu o que o governo quis dizer. Eu também não percebi.
Não estou aqui para trocadilhos de palavras nem para ofender pessoas, mas a verdade é que, do ponto de vista político e do que se torna necessário operacionalizar no sistema educativo aquelas palavras não fazem qualquer sentido. É pura e simples retórica e mal concebida.
O sistema não precisa de teorias vãs e, para já, de estranhos à Região para dizer o que temos de fazer, eu diria mais, o sistema dispensa papel com letras, mas não dispensa uma análise criteriosa e séria que responda a três perguntas muito simples mas muito profundas: onde estamos, onde queremos chegar e que passos temos de dar para lá chegar. O sistema precisa que se rompa com as rotinas, precisa de inteligência, necessita de humildade governativa, precisa de coragem para implodir os pilares da velha escola, construindo novos alicerces que sustentem uma educação para o futuro.
Não basta criar novos estabelecimentos de ensino, tampouco multiplicar as salas de informática ou substituir o quadro preto e o giz por quadros interactivos e multicolores. Tony Bates é claro sobre esta matéria: “O bom ensino supera uma escolha tecnológica pobre, mas a tecnologia nunca salvará o mau ensino”. Por outras palavras, defende que o desafio da Educação não é tecnológico. Há uma base que terá de ser construída e essa base, como temos vindo a dizer, é de natureza organizacional, é de conquistas ao nível do desenho curricular e correspondentes programas, trilogia à qual se junta, de forma indispensável e inquestionável as políticas de família no quadro das políticas sociais. O sucesso, ou melhor, o futuro da nossa Escola depende do rigor, do trabalho que integre todas estas variáveis. Enquanto o governo não entender isto, enquanto manifestar falta de coragem para intervir na profundidade dos problemas, esta escola não terá futuro e os problemas agravar-se-ão.
Este modelo está condenado. Não sou eu que o digo, Senhores Deputados. São os investigadores em educação que o dizem. E isto não significa que nos estabelecimentos de ensino não haja esforço, trabalho, dedicação e iniciativas louváveis. Eu conheço-as e sei o que, com muito entusiasmo se faz. Mas também sei, pela prática, que os resultados não são proporcionais ao esforço realizado. E se não são deve o governo encontrar as justificações.
Dir-me-ão que o problema é Constitucional. Não é. Estudámos o problema, ouvimos os especialistas e decididamente não é. O Estatuto Político-Administrativo que há muito deveria ter sido revisto e actualizado, na sequência da revisão constitucional de 2004, permite ir muito mais longe em matéria de política educativa ao invés do governo permanecer reactivo e agarrado às saias da Ministra da Educação.
Hoje, sabe-se que pouco importa a premissa constitucional que sublinha que as bases do sistema educativo são reserva da República. Eu já tive uma opinião contrária. Hoje, estudado o problema, digo-vos que é possível contornar essa premissa e gerar um sistema de respostas regionais que, inclusive, a prazo deixe de fazer sentido tal premissa constitucional. Portanto, o problema não é Constitucional, repito. Pode a Constituição ser alterada mas se por aqui as respostas continuarem a ser mesmas, obviamente, que os resultados serão sensivelmente os mesmos de ontem.
É preciso que tenhamos presente que o sistema educativo é socialmente produzido e, portanto é socialmente transformável. Os caminhos que há muito estão a ser seguidos não têm produzido resultados. Tome-se em consideração, por exemplo, apenas como indicador, os resultados do último “ranking” nacional de escolas. No ensino básico, estruturante de todo o sistema, dos 30 estabelecimentos de ensino referenciados temos cinco escolas nos primeiros 430 lugares; entre os lugares 430 e 860 temos nove e entre os lugares 861 e 1292 temos dezasseis escolas, com a agravante de, nestas 16 escolas, doze estarem acima do milionésimo lugar. E se formos a analisar o ensino secundário o drama é igual. Não vale a pena, perante estes indicadores, arranjar desculpas esfarrapadas. O sistema educativo está gravemente doente e, por isso mesmo, não consegue descolar para patamares de sucesso.
As razões do insucesso da política educativa são múltiplas. Tem a ver com a concepção do que devem ser as características do parque infra-estrutural; tem a ver com a organização do sistema que ao invés de possibilitar a autonomia às escolas, ao invés de criar um sistema descentralizado e de respeito pela diferenciação, ao invés de gerar um sistema que garanta a interacção com os restantes sistemas, paradoxalmente, criou um sistema hierarquizado, padronizado, fechado e gerador de entropia. É por isso que ele está em permanente desgaste e já não consegue responder às necessidades de um novo conceito de escola.
Romper com esta deriva implica abertura, implica que a Educação não seja uma coutada de alguns, implica olhar para trás reflectir e interrogar-se sobre o percurso feito, implica disponibilidade para ouvir e negociar ao contrário de fechar-se numa torre de marfim, implica que a rotina de anos dê lugar à inovação, implica ambição e capacidade para pôr em causa caminhos, implica ter mais incertezas do que certezas, implica responsabilidade colectiva, portanto, não apenas de uma Secretaria que tutela a educação mas de todo o governo.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
A par dos domínios da economia, a educação constitui um sector chave da Região. E a pergunta que ouvi há quase quarenta anos continua pertinente: Como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente. O desencontro é inevitável. E é isso que está a acontecer. As reformas pouco ou nada trazem de novo para além de alguns acertos marginais. Mais do que reformas precisamos de reinventar o sistema educativo que se adeqúe às necessidades de formação do Homem deste Século e que o predisponha para aprender, desaprender e voltar a aprender todos os dias. E a Escola, infelizmente, não está a fazer isso.
Não faz o meu jeito criticar por criticar, engendrando argumentos que apenas servem para manter o debate político desprovido do sentido de responsabilidade. Nós não vamos por aí. O momento é de grande preocupação relativamente ao futuro.
Dentro de dias estará aqui em debate o Orçamento. Mais do que olhar para os milhões interessa olhar para as políticas que o enquadram. E neste aspecto, embora o orçamento da Educação não satisfaça, preocupante é ter o sentimento que, por este trilho político, o sistema não irá além do seu mero e arrastado funcionamento.
De resto, o sistema sempre funcionou. Funcionou antes de 74 e funciona em 2008. O problema é muito mais vasto e muito mais complexo. O que hoje preocupa os investigadores e os governos sérios, apostados em reduzir o fosso que separa relativamente à capacidade de resposta aos desafios do tempo que estamos a viver, é o problema, desde logo, de ter visão, de saber antecipar o futuro e de criar as condições necessárias de resposta ao que esse mundo exige. Ora, se aquilo que o governo demonstra circunscreve-se, apenas, à dinâmica do funcionamento do sistema, é evidente que não poderá esperar melhores resultados.
E o futuro que se deseja construir não está apenas no plano infra-estrutural, mas sobretudo no interesse futuro de tudo quanto se faz dentro dos espaços escolares. E neste aspecto não temos qualquer dúvida que há um conjunto de palavras-chave determinantes na construção do futuro desejável e que têm sido ignoradas, orçamento após orçamento: rotura, mudança, competência, previsão, estratégia, gestão, reengenharia, excelência, qualidade, criatividade, inovação, sinergia, liderança, comunicação, enfim, cada uma destas palavras com o seu peso e significado no contexto da Educação, constitui a base dos processos de mudança num sistema portador de futuro.
Todas aquelas palavras não têm feito parte do projecto político do Governo.
Quando a Madeira regista índices de pobreza gravíssimos, quando se constata uma histórica ausência de consistentes políticas de família, quando mais de 47% dos alunos são apoiados pela acção social educativa, quando o desemprego cresce, quando a toxicodependência avassala, quando o alcoolismo não é combatido com medidas drásticas, quando a desestruturação familiar, a violência e o crime preocupam a sociedade, não há sistema educativo que, de per si, consiga resultados. O problema é que também aí não tem existido a palavra de alerta da Secretaria Regional da Educação no sentido de fazer ver que a Escola e os resultados que lá se produzem são consequência das políticas integradas que devem ser feitas a montante. Há culpados políticos neste processo. Disse.

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